AUTOANTICORPOS: relação com doenças reumáticas autoimunes

Os anticorpos são proteínas produzidas pelo nosso sistema imunológico. Estão presentes no sangue e fluidos e nos defendem de ameaças externas. Existem, ainda, os AUTOANTICORPOS, também produzidos pelo sistema imune, mas que, ao invés de se ligarem aos vírus, bactérias e fungos, como fazem os anticorpos, se ligam às nossas células e tecidos saudáveis. E quando isso acontece, podem causar reações inflamatórias nos locais atingidos.

Os autoanticorpos foram descobertos no final dos anos 40 e, a partir daí, foi possível consolidar o conceito de doenças autoimunes pois, até então, vários pesquisadores acreditavam ser impossível que o sistema de defesa pudesse atacar suas próprias células e tecidos.

Mas por que os autoanticorpos são importantes para doenças reumáticas autoimunes? Vários autoanticorpos têm uma associação muito forte com algumas doenças e, por isso, são utilizados pelos médicos como ferramentas de diagnóstico. Os médicos também usam a dosagem de autoanticorpos para monitorar pacientes ao longo do tratamento, uma vez que a concentração de alguns deles tem relação direta com o grau de atividade da doença. Ou seja, à medida que o tratamento vai bem, os níveis de autoanticorpos diminuem.

E uma pessoa com autoanticorpos sempre terá uma doença autoimune? Não. O sistema imunológico é muito complexo e tem uma infinidade de elementos moleculares e celulares em constante interação, interação essa que também varia de pessoa para pessoa. Os autoanticorpos de ocorrência natural fazem parte dessa complexa interação. Por isso, só a constatação de um autoanticorpo no indivíduo, sem os sintomas ou sinais da enfermidade autoimune associada, não é suficiente para definir que haverá doença autoimune.

Qual a importância de estudar o autoanticorpo no meio médico e científico? Desde que foram descobertos, o estudo dos tipos de autoanticorpos e sua associação com certas doenças vem se ampliando. Reumatologistas, por tratarem diretamente das doenças autoimunes, conhecem bem o fenômeno. Mas há outras áreas da medicina em que esse conhecimento é mais recente e também importante. Como, por exemplo, a neurologia. Nos últimos 15 anos, mais de 20 novos autoanticorpos de grande relevância clínica foram descritos em várias doenças neurológicas, permitindo diagnóstico adequado e tratamento precoce de muitos pacientes. Este dinamismo no conhecimento científico e médico sobre os autoanticorpos evidencia a necessidade de atualização dos médicos e cientistas envolvidos com o tratamento de pacientes com doenças autoimunes.

Será possível identificar os autoanticorpos para determinadas doenças antes delas se manifestarem? É uma possibilidade, já que se sabe que essas proteínas tendem a surgir (meses ou anos) antes dos sintomas de doenças autoimunes. Por exemplo, os autoanticorpos anti-DNA podem ser detectados até três anos antes de um paciente apresentar qualquer sinal de Lúpus. Mas, na prática clínica, esta possibilidade ainda está longe se concretizar por dois motivos. Primeiro porque nem todas as pessoas portadoras de um autoanticorpo vão desenvolver uma determinada doença; ao contrário, muitas terão um resultado positivo por anos sem qualquer manifestação clínica. Segundo porque ainda não existe cura para as doenças autoimunes, apesar dos avanços terapêuticos já existentes.  Assim, a perspectiva é de que nos próximos anos tenhamos alternativas efetivas para mudar o curso desses distúrbios e impedir seu desenvolvimento em pacientes assintomáticos mas, até que isso aconteça, ainda não há recomendação ou protocolos para tratamento preventivo em pessoas sadias portadoras de autoanticorpos patológicos.

O que isso vai significar para os pacientes? Se o avanço deste tema se concretizar, poderemos imaginar um cenário em que doenças autoimunes serão ativamente rastreadas sob uma visão de medicina preventiva, assim como hoje se rastreia o câncer de colo de útero, de mama ou de próstata. Uma vez identificado um autoanticorpo patológico, o indivíduo será submetido a exames adicionais que indicarão se ele teria realmente propensão a desenvolvimento da enfermidade. Nesse novo paradigma, haveria terapias efetivas que poderiam ser, então, aplicadas de forma a impedir desenvolvimento da doença. Mas vale lembrar, uma vez mais, que esta realidade ainda não existe e nos cabe esperar que venha a se concretizar nos próximos anos.


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