Sífilis: manifestações articulares

A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS) estima que 10 milhões de novos casos da doença ocorram anualmente no mundo e, desse total, cerca de um terço (2,8 milhões de casos) é registrado nas Américas. No Brasil, em 2021, foram registrados 268 mil novos casos de sífilis e até junho de 2022, já haviam sido constatados 122,5 mil novos casos da doença.

A sífilis é uma doença infecciosa causada pelo Treponema pallidum. A transmissão ocorre, principalmente, por via sexual (sífilis adquirida) ou transplacentar (sífilis congênita), isto é, da mãe infectada para o bebê durante a gestação ou no parto. 

A doença atinge, prioritariamente, adultos sexualmente ativos, sem predomínio de raça ou sexo. As baixas condições socioeconômicas e comportamentos sexuais de risco são considerados fatores críticos para a doença.

Pode apresentar diferentes estágios (primária, secundária, latente e terciária) e manifestações clínicas muito diversas. Queixas musculoesqueléticas, por exemplo, são pouco frequentes e costumam ser discretas, mas, ocasionalmente, podem dominar o quadro clínico, simulando uma grande variedade de doenças reumáticas.

No estágio primário, que ocorre entre 10 e 90 dias após o contágio, a doença se manifesta com lesões nos genitais, boca ou outros locais da pele, que podem vir acompanhadas de ínguas (caroços) na virilha, mas que não causam dor, coceira ou ardência. Essas lesões se resolvem naturalmente, entre 3 e 6 semanas, mesmo sem tratamento. Nessa fase não são descritas manifestações nas articulações. 

No estágio secundário, que ocorre entre 6 semanas e 6 meses do início da infecção, podem surgir manchas pelo corpo, incluindo palmas das mãos e plantas dos pés, que geralmente não coçam. Além das manchas, pode ocorrer febre, mal-estar, dor de cabeça e ínguas pelo corpo. Essas manchas desaparecem naturalmente em algumas semanas, trazendo a falsa impressão de cura. Quanto às manifestações musculoesqueléticas, se observam poliartralgias, raramente ocorrendo quadro de poliartrite simétrica ou tenossinovite com padrão reumatoide, além de osteíte que afeta o crânio, clavículas e o osso esterno, também conhecido como o osso do peito.

Artralgia = dor; poliartralgia = dor em várias articulações
Artrite = inflamação; poliartrite = inflamação em várias articulações
Periostite = inflamação do periósteo, membrana que envolve os ossos, principalmente da tíbia
Osteíte = inflamação do osso

Na fase de sífilis latente, os sintomas desaparecem e a doença passa a ser detectável apenas por testes sorológicos. Neste cenário, pode ser definida como latente recente (até um ano de infecção) ou latente tardia (mais de um ano de infecção). A duração dessa fase é variável, podendo ser interrompida pelo surgimento de sinais e sintomas da forma secundária ou da terciária.

O  estágio terciário ou tardio pode surgir entre 01 a 40 anos após o início da infecção, ou sejam quando não houve a cura espontânea da doença. Nessa fase, costumam surgir lesões na pele, problemas cardiovasculares e neurológicas e manifestações musculoesqueléticas como sinovite crônica gomosa (lesões gomosas são nódulos que podem surgir na pele, músculos e órgão), espondilite e, principalmente, quadros leves de artropatia de Charcot. 

A sífilis congênita, principal alvo da campanha Outubro Verde, pode ser dividida em sífilis congênita precoce, que se manifesta até os dois primeiros anos de vida do bebê, e sífilis congênita tardia, que surge após esse período. Na fase precoce, as lesões musculoesqueléticas são periostite, osteíte, osteocondrite e dactilite, geralmente entre o primeiro e terceiro ano de idade. Na fase tardia, podem ser observadas sinovite, artropatia de Charcot e espondilite.

Espondilite = inflamação na coluna e outras grandes articulações
Sinovite = inflamação da membrana sinovial, a "lubrificante" das articulações
Osteocondrite = inflamação de ossos e cartilagens, principalmente de joelho e cotovelo
Dactilite = inflamação nos dedos de mãos e pés, os chamados dedos de "salsicha"

A prevenção da sífilis consiste, basicamente, em se ter relações sexuais com camisinha. No caso da sífilis congênita, a prevenção é feita através da detecção da sífilis na gestante. Quando não é realizada, o diagnóstico e o tratamento devem ser feitos logo após o nascimento do bebê. Se não realizados, as crianças portadoras do Treponema pallidum podem evoluir silenciosamente para alterações e complicações irreversíveis, tais como alterações no sistema nervoso central, retardo mental, convulsões, alterações nos ossos, na dentição, na audição e na visão. 

O tratamento, em todas as fases, é realizado com penicilina, que evitará, inclusive, a transmissão da doença da mãe para seu filho. No caso das lesões articulares e musculoesquelético, apesar do tratamento conseguir impedir a progressão das lesões, não alterará aquelas já desenvolvidas. Daí a necessidade de os pacientes tentarem evitar novas lesões.

Articulações e ossos afetados podem ser tratados com repouso, calçados específicos, bengalas, muletas e outros suportes que impeçam a evolução das lesões articulares. Podem também ser utilizados anti-inflamatórios não hormonais (AINE's) para controle da inflamação, além de procedimentos cirúrgicos para o tratamento da artropatia de Charcot.

De um modo geral, o prognóstico dos casos de sífilis secundária tratados com altas doses de penicilina é bom. Já em relação aos casos diagnosticados tardiamente, com a presença estabelecida da artropatia de Charcot, não é tão bom. Dependendo do grau de destruição articular, pode haver limitações funcionais dificilmente tratáveis, mesmo com cirurgia.

Daí a importância da campanha: conscientizar a população sobre a doença e também enfatizar que as possíveis complicações podem ser totalmente evitadas com a detecção precoce da sífilis, principalmente da congênita, para que haja tratamento adequado.


Referências


ANDRADE. Carlos Augusto Ferreira. Manifestações articulares da sífilis. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP): Manole, 2019, p. 433-437.

BRASIL. Ministério da Saúde. Sífilis: entre janeiro e junho de 2022, Brasil registrou mais de 122 mil novos casos da doença. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/sifilis-entre-janeiro-e-junho-de-2022-brasil-registrou-mais-de-122-mil-novos-casos-da-doenca. Acesso: 29/09/2023.

SPSP - Sociedade de Pediatria de São Paulo. Outubro Verde: combate à sífilis congênita. Disponível em: https://www.spsp.org.br/2022/09/29/outubro-verde-combate-a-sifilis-congenita-3/. Acesso: 01/10/2023.