Hepatites B e C e síndromes reumáticas


Hepatite é uma inflamação hepática, isto é, do fígado, que pode causar uma série de problemas de saúde. Existem cinco cepas principais do vírus da hepatite: A, B, C, D e E. Embora todas causem doença hepática, se diferenciam por certos aspectos importantes, incluindo modos de transmissão, gravidade da doença, distribuição geográfica e prevenção. Em particular, os tipos B e C estão associados a síndromes reumáticas.

Tais vírus podem invadir diretamente a articulação, ocasionando infecção da sinóvia ("líquido" que lubrifica a articulação) e tecidos próximos. Outro mecanismo é a infecção direta de células do sistema imunológico (nosso sistema de defesa), produzindo sinais e sintomas de autoimunidade e síndromes reumáticas. Em alguns pacientes, ainda, o tratamento com certas drogas imunossupressoras pode reativar vírus latentes ("adormecidos"), como é o caso dos vírus das hepatites B e C.

Embora as manifestações articulares das viroses sejam relativamente comuns, seu diagnóstico, em muitos casos, é dificultado pelo fato de não possuírem um padrão definido de ocorrência e acometimento. Além disso, muitos dos sinais e sintomas da infecção podem ser encontrados em várias outras doenças e os sintomas articulares podem até mesmo vir antes dos sinais da infecção viral. Por essa razão, é tão importante conhecer essas duas doenças que afetam, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), aproximadamente 325 milhões de pessoas em todo mundo!

 

Hepatite B

O vírus da Hepatite B (VHB) está presente no sangue, em secreções ou fluidos corporais (saliva, sêmen e secreção vaginal e menstrual) e no leite materno. Assim, a transmissão pode ocorrer por contato sexual com uma pessoa infectada, de uma mãe portadora do vírus para seu bebê, por injeções ou feridas provocadas por material contaminado, por tratamento com derivados de sangue contaminados e, até mesmo, em situações rotineiras no dia-a-dia, como, por exemplo, no compartilhamento de alicates de unha, na realização de tatuagens e na colocação de ‘piercings’, entre outros.

Quando a infecção acontece, inicialmente é aguda e, na maior parte dos casos, se resolve espontaneamente em até 6 meses após os primeiros sintomas. Mas algumas infecções permanecem após esse período e, nesses casos, a infecção é considerada crônica. Segundo a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), até 2019 havia cerca de 3,9 milhões de pessoas vivendo com hepatite B crônica apenas na América Latina e no Caribe. 

O risco de a infecção se tornar crônica depende da idade da pessoa infectada: as crianças, por exemplo, têm maior chance de desenvolver a forma crônica; naquelas com menos de um ano, esse risco chega a 90%; entre 1 e 5 anos, varia entre 20% e 50%. Já entre os adultos, apenas cerca de 5% evoluem para a forma crônica e, entre eles, cerca de 20% a 30% desenvolverão cirrose e/ou câncer de fígado.

A história natural da infecção é marcada por evolução silenciosa, geralmente com diagnóstico após décadas da infecção. Os sinais e sintomas, quando presentes, costumam se manifestar apenas nas fases mais avançadas da doença, com cansaço, tontura, enjoo e/ou vômitos, febre e dor abdominal. A ocorrência de pele e olhos amarelados é observada em menos de um terço dos pacientes com Hepatite B. 

Cerca de 10% a 25% dos infectados apresentam sintomas articulares, geralmente poliartralgia ou poliartrite em pequenas ou grandes articulações, principalmente mãos e joelhos. Em aproximadamente metade dos pacientes, essas manifestações são acompanhadas de erupções avermelhadas, que causam muita irritação e coceira na pele dos membros inferiores. Tais manifestações tendem a desaparecer espontaneamente após 2 a 3 semanas de seu início.

Artralgia = dor; poliartralgia = dor em várias articulações;
Mialgia = dor muscular;
Artrite = inflamação; poliartrite = inflamação em várias articulações.

Outra manifestação reumática relacionada ao VHB é a poliarterite nodosa (PAN) que, na maioria das vezes, se desenvolve nos primeiros 6 meses da doença. Poliartralgias e mialgias são manifestações comuns e ocorrem em, aproximadamente, 50% dos infectados. 

Mas, como se prevenir da Hepatite B? A vacinação é a principal medida de prevenção contra a Hepatite B, sendo extremamente eficaz e segura. A gestação e a lactação não representam contraindicações para imunização. Atualmente, a vacina está prevista no calendário de vacinação infantil, mas o SUS também disponibiliza a vacina nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) para todas as pessoas, independentemente da idade. Então, caso você não seja vacinado ou não tenha feito as três doses da vacina, procure a UBS mais perto.

Além da vacina, outros cuidados ajudam na prevenção da infecção pelo HBV, como usar preservativo em todas as relações sexuais, não compartilhar certos objetos, tais como lâminas de barbear e depilar, escovas de dente, material de manicure e pedicure, seringas, materiais para confecção de tatuagem e colocação de piercings. A testagem das mulheres grávidas ou com intenção de engravidar também é fundamental para prevenir a transmissão de mãe para o bebê. A profilaxia para a criança após o nascimento também reduz drasticamente o risco de transmissão.

O Ministério da Saúde distribui testes rápidos nas UBS's para todas as pessoas não vacinadas adequadamente e com idade superior a 20 anos.  Se o resultado for positivo, o tratamento será realizado com antivirais específicos, disponibilizados no SUS. Os tratamentos disponíveis atualmente não curam a infecção pelo VHB, mas podem retardar a progressão da cirrose, reduzir a incidência de câncer de fígado e melhorar a sobrevida em longo prazo.

Já o tratamento para VHB concomitante com Poliarterite Nodosa inclui corticoides, agentes imunossupressores sintéticos (ciclofosfamida ou azatioprina) e antivirais (nucleosídeos ou similares).


Hepatite C

O vírus da Hepatite C (HCV) está presente no sangue. Assim, a transmissão pode ocorrer por contato com sangue contaminado, pelo compartilhamento de agulhas, seringas e outros objetos para uso de drogas; pela reutilização ou falha de esterilização de equipamentos médicos, odontológicos, de manicure ou para realização de tatuagens e piercings; e por transfusão de sangue ou derivados não testados.

A Hepatite C pode se manifestar na forma aguda ou crônica, esta última a mais comum. Segundo a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), até 2019 havia cerca de 7,2 milhões de pessoas vivendo com Hepatite C crônica apenas na América Latina e no Caribe.  

A forma crônica é silenciosa, evolui sorrateiramente e se caracteriza por um processo inflamatório persistente no fígado. Aproximadamente 60% a 85% dos casos se tornam crônicos e, em média, 20% evoluem para cirrose ao longo do tempo, sendo que condições como uso abusivo de álcool, idade avançada, esteatose (acúmulo de gordura no fígado) e existência de coinfecções (como HIV/Aids) aumentam a probabilidade deste desfecho. Além disso, 10% dos pacientes desenvolvem carcinoma hepatocelular, isto é, câncer, durante o curso da doença.

Enquanto aproximadamente 80% das pessoas não apresentam sintomas após a infecção inicial, os que apresentam a forma aguda da infecção podem ter febre, fadiga, perda ou redução do apetite, náusea, vômitos, dor abdominal, escurecimento da urina, icterícia e manifestações articulares. Dentre as manifestações articulares, as mais comuns são poliartralgias e mialgias. Oligo ou poliartrite ocorre em 2 a 5% dos infectados.

Oligoartrite = inflamação em até 4 articulações; poliartrite = inflamação em várias articulações.

Mas, como se prevenir da Hepatite C? Não existe vacina contra a Hepatite C. Por isso, para evitar a infecção, é importante usar preservativo nas relações sexuais e não compartilhar objetos que possam ter entrado em contato com sangue (seringas, agulhas, alicates, escova de dente etc.). Além disso, toda mulher grávida precisa fazer, no pré-natal, os exames para detectar as hepatites B e C e, em caso de resultado positivo, é necessário seguir todas as recomendações médicas. 

O tratamento da Hepatite C não está indicado para gestantes, mas após o parto a mulher deverá ser tratada. O tratamento para todos os infectados é feito no SUS com os chamados antivirais de ação direta, que apresentam taxas de cura de mais 95% e são realizados, geralmente, por 8 ou 12 semanas. Os pacientes na fase inicial da infecção podem ser tratados nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), sem a necessidade de consulta na rede especializada para dar início ao tratamento.

Já o tratamento para as manifestações articulares deve ser feito com cuidado pois a maioria dos infectados evoluem para hepatite crônica e, portanto, medicamentos potencialmente tóxicos para o fígado devem ser evitados. Quando não há coexistência da Hepatite C com Artrite reumatoide (AR), os médicos normalmente indicam analgésicos, anti-inflamatórios AINE e prednisona em doses baixas. Já em infectados com AR, a hidroxicloroquina associada a baixas doses de prednisona tem sido a primeira escolha. 




Referências


MASSABKI, Paulo Sergio. Manifestações articulares da infecção pelos vírus das hepatites B e C e HIV. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 418-422.

MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. Hepatite C. Disponível em: http://www.msf.org.br/o-que-fazemos/atividades-medicas/hepatite-c. Acesso: 16/07/2021

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Hepatites virais - Hepatite B; Hepatites virais - Hepatite C. Disponíveis em:http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/hv/o-que-sao-hepatites/hepatite-b; http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/hv/o-que-sao-hepatites/hepatite-c. Acesso: 15/07/2021.