Olhos e doenças reumáticas (2) - Esclerite e Episclerite

Como dissemos no "primeiro capítulo" dessa série sobre olhos e doenças reumáticas, o envolvimento dos olhos faz parte de manifestações extra-articulares de muitas doenças reumáticas e, por isso, é muito importante conhecer essas manifestações oculares para buscar, o quanto antes, tratamento correto para manter a saúde dos olhos. 

Nesse "segundo capítulo", de um total de cinco, falaremos sobre Esclerite e Episclerite, que afetam especificamente a esclera, conhecida como o "branco dos olhos".

A esclera é um tecido que reveste o globo ocular. Por ter uma função externa, tem como doenças mais frequentes as de caráter inflamatório e, dependendo da profundidade da inflamação, é dividida em esclerite ou episclerite.

A episclerite é a inflamação do tecido episcleral superficial, é benigna e relativamente comum. Raramente causa dor, mas sim desconforto, ardor, lacrimejamento e vermelhidão e costuma apresentar boa evolução em 2 a 3 semanas. Há dois tipos de episclerite: o tipo difuso, em que a vermelhidão envolve toda a episclera, e o tipo nodular, onde a vermelhidão envolve apenas uma pequena área, bem setorizada.

Já a esclerite é geralmente grave, progressiva, que acomete os tecidos escleral e episcleral (superficial e profundo); causa dor importante, fotofobia (sensibilidade à luz), lacrimejamento e pode evoluir com complicações severas, como glaucoma, descolamento de retina, redução da visão ou ceratite, o "terceiro capítulo" dessa série. 

A associação da episclerite e esclerite com doenças sistêmicas reumáticas é muito frequente;  aproximadamente 32% nos casos na episclerite e 75% nos casos de esclerite. 

Dentre essas doenças, a Artrite Reumatoide (AR) é a causa mais comum: calcula-se, por exemplo, que 1 a cada 200 pacientes com AR tenha esclerite. Esses pacientes costumam apresentar exame de Fator reumatoide positivo e têm AR há muitos anos. Outras condições reumáticas associadas à esclerite incluem as Vasculites associadas ao anticorpo anticitoplasma de netrófilos (ANCA), Granulomatose com poliangiíte, Lúpus, Espondiloartrites, Policondrite recidivante e doenças inflamatórias intestinais. Outra causa rara é a associação com o uso de bisfosfonato, usado no tratamento da Osteoporose. 

Diante das condições autoimunes associadas à esclerite e à episclerite, uma avaliação reumatológica se faz necessária e deve incluir radiografia de tórax e testes laboratoriais, como hemograma, análise de sedimento urinário, velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C-reativa (PCR), pesquisa de anticorpo antinuclear (FAN), fator reumatoide, entre outros.

Embora a episclerite costume ter um desfecho espontâneo, em alguns casos pode ser preciso corticoide tópico ocular e anti-inflamatórios não hormonais (AINES) orais para acelerar esse desfecho. 

Já na esclerite, o tratamento é sempre necessário e vai depender do tipo de comprometimento dos olhos. Em alguns casos, os AINES orais podem ser suficientes, mas se não houver respostas significativas, os uso de corticoides é recomendado. 

A utilização de imunossupressores, como ciclofosfamida, pode ser necessária, em ambos os casos, quando houver falha dos corticoides ou quando houver piora no quadro ocular na redução da dose do corticoide.

Mais recentemente, evidências apontam para a eficácia dos medicamentos biológicos Anti-TNF e também de rituximabe em casos associados a Granulomatose com poliangiíte, mas tais evidências ainda precisam de maiores estudos.

O tratamento das doenças de base também é muito importante para o controle do quadro ocular, especialmente quando se tratar de Vasculites e de Policondrite recidivante.


Referências


CREPPE, Marcelo. Conheça os tipos de inflamação da esclera. Marcelo Creppe - Oftalmologia. Disponível em: http://marcelocreppe.com.br/conheca-os-tipos-de-inflamacao-da-esclera. Acesso: 03/04/21.

PEREIRA, Ivanio Alves; SKARE, Thelma Larocca. O olho nas doenças reumáticas. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 616-618.