Lúpus eritematoso sistêmico pediátrico

O que é?

O Lúpus eritematoso sistêmico pediátrico (LESp) é uma doença inflamatória, crônica, autoimune (as defesas do organismo, nosso sistema imunológico, atacam o próprio corpo), com envolvimento de vários órgãos e tecidos. 

De modo geral, na faixa etária pediátrica, as manifestações da doença são semelhantes às da doença da idade adulta (o LES), porém, na infância, o comprometimento renal e hematológico é mais comum e pode ser mais grave.

Quem pode ser afetado(a)?

Cerca de 15% a 20% dos casos de LES se manifestam durante a infância ou adolescência (até 18 anos), com idade média de início entre 12 e 14 anos e, principalmente, no sexo feminino. Embora seja raro antes de 5 anos de idade, a doença pode afetar filhos recém-nascidos de mulheres que têm a doença (Lúpus neonatal).

O que causa a doença?

A causa não está totalmente clara, mas sabe-se que vários fatores podem desencadeá-lo em pessoas geneticamente predispostas, como fatores ambientais, infecções virais ou medicamentos, os quais podem ocasionar alterações no sistema imunológico e, assim, culminar com manifestações da doença.

No que se refere às infecções virais, parece haver uma estreita relação com a família do herpes vírus, particularmente o citomegalovírus. Além disso, outros fatores ambientais podem ser associados à atividade do LESp, como o cigarro, as drogas, a poluição, os hormônios. Também a exposição à luz do sol/luz ultravioleta (UV) de forma inadequada e em horários inapropriados pode iniciar ou agravar uma inflamação preexistente.

O papel da herança genética expressa-se com a perda da tolerância imunológica a antígenos, como os vírus por exemplo, o que ocasiona uma reação do sistema imunológico e consequente inflamação dos diferentes órgãos e sistemas. Parece haver, ainda, uma prevalência da doença entre gêmeos idênticos (ou univitelinos) na proporção de 30 vezes mais, aproximadamente, do que na população em geral.

Quais os sintomas?

O LESp frequentemente manifesta-se de forma mais aguda e grave, comparando-se com o LES adulto, com envolvimento simultâneo de vários órgãos e sistemas, em particular rins, pulmões e sistemas neuropsiquiátrico e hematológico. 

Além disso, o LESp tem curso mais agressivo, com complicações infecciosas que são frequentes e, muitas vezes, muito graves. Os agentes podem incluir vírus, bactérias (com certa ênfase para o da tuberculose) e fungos.

Os sintomas mais comuns da doença incluem febre, perda de peso, fadiga, perda de apetite, além de adenomegalia (popularmente, inchaço dos gânglios), hepatomegalia (aumento do fígado) e esplenomegalia (aumento do baço).

Os sintomas articulares incluem artrite (em até cerca de 65% dos pacientes), geralmente aguda, recorrente, mas sem evolução para deformidades. Atinge as articulações de joelhos, tornozelos, punhos e cotovelos.

Os sintomas cutâneos (pele) são bem frequentes e bastante variados. Manifestam-se, por exemplo, por meio de:
  • eritema malar (ou "Asa de borboleta"), de leve a intenso, descamativo, podendo ser restrito à região malar (a maça do rosto) ou apresentar lesões na testa e no queixo; 
  • vermelhidão/eritema no céu da boca, o que é muito comum e pode reforçar o diagnóstico de Lúpus; 
  • úlceras, principalmente na língua e no céu da boca; 
  • vasculite, isto é,  inflamação dos vasos sanguíneos, que pode se manifestar, por exemplo, com lesões nas palmas ou solas dos pés;
  • urticária, ou seja, irritação da pele caracterizada por coceira e lesões avermelhadas e levemente inchadas, como vergões;
  • livedo reticular, caracterizado pelo surgimento de “linhas” avermelhadas ou azuladas na pele, de contornos irregulares que seguem a disposição das veias. 


Os sintomas cardíacos e pulmonares incluem inflamação do revestimento dos pulmões (pleurite) e inflamação do "envelope" cardíaco (pericardite), habitualmente discretas. 

sintoma renal muito frequente é a síndrome nefrítica, que é o conjunto de sintomas característicos de inflamação dos glomérulos renais (glomerulonefrite), envolvidos no processo de filtragem dos rins. As glomerulonefrites são geralmente acompanhadas de pressão alta sistêmica e insuficiências renais (aguda e crônica).

As principais manifestações neuropsiquiátricas são cefaleia, alterações de humor e convulsão. 

Dentre os sintomas hematológicos (sangue), a anemia hemolítica e a púrpura trombocitopênica imune podem caracterizar as manifestações iniciais da LESp e ambas estão associadas a outras ocorrências mais graves, com envolvimento do sistema nervoso central e de hemorragias. A anemia hemolítica autoimune faz parte de um grupo de distúrbios caracterizados por um mau funcionamento do sistema imunológico, que produz autoanticorpos que atacam os glóbulos vermelhos como se fossem substâncias estranhas ao corpo. Já a púrpura trombocitopênica imune é um distúrbio hemorrágico, causado pela diminuição do número de plaquetas (trombócitos) que ocorre em uma pessoa que não tem outra doença que afeta as plaquetas. A Síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF), doença reumática, também pode ser uma das manifestações da LESp.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico de LESp leva em conta as manifestações clínicas, exames sorológicos e laboratoriais. Em 2012, o grupo SLICC (Systemic Lupus International Collaboration Clinics) desenvolveu critérios de classificação para o Lúpus, em um total de 17 critérios, sendo 11 clínicos e 6 imunológicos. Para que um(a) paciente seja classificado com LES/LESp, é necessário que apresente, ao menos, 1 critério clínico  e 1 critério imunológico. Deve-se destacar, entretanto, que estes não são critérios diagnósticos e, portanto, alguns pacientes necessitam de tratamento mesmo que não se enquadrem nessa classificação.

Exames sorológicos e laboratoriais são usados no diagnóstico e no acompanhamento da doença. São exames para avaliar a presença de fator antinuclear (FAN), investigar a presença de autoanticorpos, alguns altamente específicos para LES (especialmente anti-dsDNAanti-Smanti-P), avaliar a contagem de glóbulos e de plaquetas no sangue por meio de hemograma, além de avaliar o funcionamento de órgãos como rins ou fígado.

Como os problemas renais geralmente se desenvolvem com o Lúpus, o exames de urina são necessários (proteinúriahematúrialeucocitúria) para avaliar o funcionamento do órgão.

O(A) médico(a) pode solicitar também radiografia de tórax ou exames cardíacos, como eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma, para determinar se a doença está afetando o coração, além de ressonância magnética para avaliar a atividade do sistema nervoso central e eletroneuromiografia para avaliar neuropatia periférica.

Qual o tratamento?

O tratamento do LESp tem por objetivo controlar a inflamação, propiciar o desenvolvimento normal da criança e/ou adolescente, minimizar os efeitos adversos da terapia e melhorar a qualidade de vida. 

Os medicamentos corticoides parecem controlar a maior parte das manifestações de LESp e, por isso, os médicos costumam prescrever baixas doses de prednisona ou predinisolona quando o quadro é leve, como fadiga, febre, hepatoesplenomegalia, envolvimento cutâneo e musculoesquelético. Doses moderadas (0,5 a 1 mg/dia) desses medicamentos são utilizadas em quadros de pleurite, pericardite, vasculite cutânea. As doses dos corticoides são progressivamente reduzidas ao longo do tempo, pois seu uso crônico está associado a diversos eventos adversos, como pressão alta, obesidade, diabetes, glaucoma, atrofia muscular, entre outros.

Pulsoterapia endovenosa com metilprednisona é indicada para os quadros mais graves, tais como vasculite sistêmica, miocardite, pancreatite, hemorragia ou hipertensão pulmonar, envolvimento hematológico importante.

Os antimaláricos tem função nas manifestações cutâneas e articulares, além de reduzirem anticorpos antifosfolípides, melhorarem  condição clínica, tornarem as reativações da doença menos frequentes e reduzirem o uso de corticoides. A droga de escolha é a hidroxicloroquina, que deve ser monitorada de perto porque também está associada a eventos adversos.

Drogas sintéticas modificadoras da doença (sDMARD), como metotrexato, azatioprina, micofenolato de mofetila ou ciclofosfamida, e drogas biológicas modificadoras da doença (bDMARD), como rituximane, são indicados nas formas moderadas a graves de LESp.

Anticoagulantes (heparina ou varfarina) são indicados para pacientes com Síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF) e antiproteinúricos (como enalapril ou losartana) são indicados para casos em que há sintomas de proteinúria isolada e persistente, que pode causar fibrose ou lesão renal irreversível.

Faz parte também do tratamento adotar uma dieta saudável (com restrição de sal, baixos níveis de gordura e rica em cálcio e com aporte adequado de vitamina D), ter atividade física regular (pois melhora a qualidade de vida, reduz a fadiga, o risco cardiovascular e protege os ossos), evitar a exposição à luz ultravioleta (solar ou das lâmpadas) e manter a pressão arterial controlada, assim como os níveis de açúcar e o colesterol.

Medidas educacionais para os adolescentes, relacionadas ao uso de álcool, fumo e drogas, assim como contracepção e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis também são importantes.

O prognóstico do LESp melhorou muito nos últimos anos, com taxa de sobrevida acima de 90%. Para tanto, a adesão ao tratamento é de suma importância.



Referências

AMERICAN COLLEGE OF RHEUMATOLOGY. Lupus. Disponível em: http://www.rheumatology.org/I-Am-A/Patient-Caregiver/Diseases-Conditions/Lupus. Acesso: 19/10/19.

ARTHRITIS FOUNDATION. Lupus. Disponível em: http://espanol.arthritis.org/espanol/disease-center/lupus/. Acesso: 03/11/19.

SILVA, Clovis Artur A; AIKAWA, Nádia Emi. Lúpus eritematoso sistêmico pediátrico. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 342-348.

SOCIEDADE PARANAENSE DE REUMATOLOGIA. Lúpus Eritematoso Sistêmico. Disponível em: http://reumatologiapr.com.br/lupus-eritematoso-sistemico/. Acesso: 05/10/19.