Síndromes de hipermobilidade

O colágeno é uma proteína importante para a constituição da pele, dos vasos sanguíneos, dos olhos, das articulações, músculos, ligamentos e tendões. Em certas doenças hereditárias, acredita-se que alguns genes causem um "defeito" na produção dessa proteína, ocasionando maior fragilidade em alguns componentes do corpo. 

O diagnóstico mais comum é o de Síndrome da hipermobilidade articular, uma condição considerada benigna na qual ocorre frouxidão de ligamentos e das articulações, o que leva o portador desta condição a realizar movimentos extremos e hiperflexíveis, ou seja, que excedem a amplitude do movimento normal da articulação, como colocar as palmas das mãos no chão sem dobrar os joelhos. Associadas a essas características, estão as dores articulares, mais comuns em joelhos, quadris, cotovelos, tornozelos. 

Indivíduos hipermóveis costumam ter também pé cavo (uma deformidade do pé onde há um aumento da curvatura do arco interno), Osteoartrite precoce e também associação com Fibromialgia na idade adulta. Além disso, como a amplitude de movimentos é maior do que o normal, as pessoas hipermóveis são mais propensas a sofrer lesões, como entorses e luxações. A realização de exercícios de fortalecimento muscular (com uso de joelheiras, munhequeiras etc.) pode ajudar a tornar menos frequentes essas lesões traumáticas. 

Ilustração original: Marcus Penna


O diagnóstico de hipermobilidade é feito com exame clínico e físico, buscando avaliar as articulações afetadas e o possível excesso de amplitude de movimentos. Em alguns casos, o(a) médico(a) poderá também solicitar exames laboratoriais para garantir que o(a) paciente não tenha outra doença genética ou reumática.

Algumas perguntas podem conduzir para a definição (ou não) da presença de hipermobilidade articular:

  • Você pode tocar o chão com as palmas das mãos bem abertas e os joelhos retos e estendidos?
  • Os cotovelos podem ir além da linha reta?
  • Os joelhos podem ir além da linha reta?
  • Você pode mover o polegar para que ele toque seu antebraço?
  • O seu dedo mindinho pode se mover de maneira que fique perpendicular ao braço?

Articulações hipermóveis podem ocorrer em 10% a 30% das pessoas, sendo geralmente mais comum em crianças, mulheres e de etnias africanas e asiáticas. Com o envelhecimento, entretanto, a hipermobilidade tende a diminuir, pois o ser humano, naturalmente, se torna menos flexível.

Agora, diferentemente da hipermobilidade benigna, há doenças relacionadas ao colágeno que apresentam manifestações extra-articulares de gravidade variável, os quais podem estar relacionados, especialmente, a eventos cardíacos e oftalmológicos. Dentre elas, destacam-se a Síndrome de Ehlers-Danlos, a ndrome de Marfan e a Osteogênese imperfecta, além de e um grupo de doenças chamadas de condrodistrofias.

A Síndrome de Ehlers-Danlos compreende um grupo de diferentes alterações genéticas raras do tecido conjuntivo, caracterizadas por alterações na síntese do colágeno, que é a proteína mais abundante do corpo e que atua em sua sustentação. Suas características principais são hipermobilidade articular (que não precisa ser de todas as articulações), hiperelasticidade da pele (que é variável) e fragilidade da pele. Pode ser transmitida de pais para filhos; afeta igualmente todos os sexos, raças e etnias.  Divide-se em treze subtipos, caracterizados por mutações diferentes e sintomas mais característicos. Entre elas, destaca-se a do subtipo hipermóvel, que, além da hipermobilidade articular, costuma apresentar outras sintomas ou condições, como distúrbio do sono, fadiga, distúrbios gastrointestinais, ansiedade e depressão. Pessoas com hipermobilidade podem apresentar também tendinites, bursites, fasciítes, lesões ligamentares; pé “chato”; “joanete”; artrose precoce; aumento de elasticidade da pele e também das pálpebras.

A Síndrome de Marfan é causada por mutações no gene que codifica uma proteína chamada fibrilina, que ajuda o tecido conjuntivo a manter sua força. Com a mutação, algumas fibras e outras partes do tecido conjuntivo se enfraquecem, ocasionando fraqueza nos ossos e articulações, assim como em algumas estruturas internas, como o coração, os vasos sanguíneos e os olhos. As pessoas afetadas têm, por exemplo, alterações de crescimento, apresentando alta estatura e desproporção entre os membros e o tronco, com aumento da envergadura (braços longos), curvatura anormal da coluna para um dos lados (escoliose), além de dedos muito longos (aracnodactilia). Há também hipermobilidade articular e frouxidão dos ligamentos, o que pode levar a risco aumentado de distensões e luxações. Algumas pessoas, entretanto, podem apresentar diminuição da mobilidade em algumas articulações, como cotovelos e dedos das mãos. Dentre as complicações cardíacas destaca-se fraqueza da parede da aorta, que pode resultar em infiltração de sangue entre as camadas internas, causando uma dilatação (aneurisma). Também pode haver anomalias das válvulas cardíacas, que podem prejudicar a capacidade do coração de bombear o sangue. Os problemas oculares incluem miopia muito forte e deslocamentos do cristalino e/ou da retina. Pode haver também manifestações pulmonares e medulares, portanto, a síndrome requer forte acompanhamento especializado.

Diferentemente das duas síndromes anteriores, a Osteogênese Imperfecta apresenta manifestações bem características, presentes desde o nascimento. É causada por um "defeito" na fabricação do colágeno tipo I, que participa da formação dos ossos. Há graus diferentes de gravidade, mas o que marca a doença é fragilidade dos ossos, possibilitando fraturas a partir de impactos mínimos ou mesmo espontaneamente.  As pessoas afetadas por essa condição podem apresentar baixa estatura, escoliose, além da hipermobilidade articular. Além disso, pode haver problemas na dentição, nos olhos e perda auditiva, problemas cardíacos na válvula mitral, entre outros.

O tratamento para essas síndromes é individualizado e baseia-se, inicialmente, no histórico e no exame físico do(a)s pacientes. Deve ser multidisciplinar e envolver reumatologista, pediatra, fisioterapeuta, terapeutas ocupacionais, psicólogo e, no ambiente escolar, professores e pedagogos.

A preservação das articulações através de fortalecimento muscular, fisioterapia e reeducação postural é importante em todos os casos para evitar o desgaste e comprometimento dessas estruturas. Medidas para controle da dor geralmente são necessárias, uma vez que a dor crônica está presente na maioria dos casos. Pacientes que possuem outros sistemas afetados, como o cardiovascular, respiratório, digestivo e urinário, por exemplo, também recebem tratamento sintomático ou específico para a doença desenvolvida.


Referências

AMERICAN COLLEGE OF RHEUMATOLOGY. Síndrome de Hipermovilidad. Disponível em: http://www.rheumatology.org/I-Am-A/Patient-Caregiver/Enfermedades-y-Condiciones/Hipermovilidad-Juvenil. Acesso: 21/07/20.

BICA, Bianca Elena R. Gomes; LEN, Claudio Arnaldo. Síndrome de hipermobilidade articular. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 369-373.

REUMATO USP. Síndromes de hipermobilidade. Disponível em: http://www.reumatousp.med.br/para-pacientes.php?id=54372306&idSecao=18294311. Acesso: 21/07/20.