Doença de Kawasaki

Trata-se de uma doença rara, a segunda causa de vasculite na infância e a principal causa de cardiopatia adquirida nos países desenvolvidos. Mas quando o diagnóstico é precoce e o tratamento estabelecido nos primeiros dias de doença, o risco de complicações diminui em cerca de 80%

O que é?

A Doença (ou Arterite) de Kawasaki é uma vasculite necrosante sistêmica, aguda, caracterizada por inflamação dos vasos sanguíneos de médio calibre, especialmente de artérias coronárias. É uma doença grave, pois pode causar complicações como aneurismas nas artérias coronárias (que ocorrem em até 30% das crianças não tratadas), podendo evoluir para complicações como doença cardíaca isquêmica, infarto agudo do miocárdio e morte súbita.

Quem pode ser afetado(a)?

A maioria dos casos (cerca de 80%) ocorre em meninos de até 5 anos (é rara antes dos 6 meses). É menos frequente em crianças mais velhas e em adultos, que podem ter maiores complicações cardiovasculares quando há atraso no diagnóstico. Pode afetar crianças de qualquer raça, mas é mais frequente em asiáticas.

Segundo estudos epidemiológicos, trata-se de uma doença sazonal, com maior incidência no inverno e na primavera.

Qual a causa?

A causa exata da doença ainda é desconhecida, mas acredita-se que se desenvolva a partir de uma infecção (viral ou bacteriana), ocasião em que ocorre resposta imune anormal em crianças geneticamente predispostas. Contudo, os resultados são ainda inconclusivos.

Quais os sintomas?

O sintoma mais comum é febre alta, de difícil controle e que persiste por, pelo menos, 5 dias (fase aguda da doença). Se não tratada, tem resolução espontânea em até 20 dias. Está associada com irritabilidade, mal-estar generalizado ou dor abdominal.

Acompanhando a febre, podem surgir lesões avermelhadas na pele, principalmente ao longo do tronco e nas extremidades, algumas vezes com acentuação na região perianal (que circunda o ânus). É comum também lábios avermelhados, fissurados, inchados, brilhantes; e língua vermelha com aspecto de morango. 

Hiperemia conjuntival (aumento do fluxo sanguíneo que ocorre durante inflamação nos olhos) ocorre em cerca de 85% dos pacientes e em ambos os olhos. Pode ocorrer uveíte (inflamação do olho) em mais da metade dos casos, evoluindo sem sequelas.

Em relação a alterações de extremidades (80%), são precocemente observados edema doloroso no dorso de mãos e pés e/ou vermelhidão nas palmas das mãos e nas plantas dos pés. Na fase semi-intensa da doença (sem febre), observa-se descamação, em placas, também em mãos e pés e na região dos órgãos genitais e ânus.

Adenomegalia na região cervical pode ser observada em cerda de 50% dos casos, geralmente em um dos lados, apresentando-se com gânglios aumentados e dolorosos. Outros sintomas incluem vômitos, diarreia, dor muscular, dor e inflamação nas articulações, surdez, alterações na cicatriz da vacina da BCG (contra a tuberculose), tosse e coriza.

Os sintomas da doença, geralmente, desaparecem por conta própria e a criança se recupera. No entanto, sem avaliação e tratamento médicos, danos graves aos vasos sanguíneos do coração podem se desenvolver e não ser reconhecidos inicialmente.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é clínico e baseia-se, segundo critérios da Associação Americana de Cardiologia (AHA), na presença obrigatória de febre prolongada (mínimo de 5 dias) associada a, pelo menos, quatro dos seguintes critérios: erupção avermelhada na pele, alterações na região da boca, alterações nas extremidades (mãos, pés), conjuntiviteadenomegalia cervical.

Alguns pacientes não preenchem esses critérios e, nesses casos, a AHA determina que se trata de uma DK incompleta quando pacientes apresentam elevação de provas de fase aguda, como velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C-reativa (PCR), associada a três dos seguintes critérios:  leucocitose (nível elevado de glóbulos brancos no sangue), trombocitose (elevação do número de plaquetas no sangue) após o sétimo dia de febre, alteração de enzimas hepáticas (TGP), hipoalbuminemia (baixa concentração de albumina no corpo) e/ou leucocitúria (aumento de leucócitos na urina). A DK incompleta ocorre mais frequentemente em lactantes.

O ecocardiograma doppler pode ser solicitado afim de detectar alterações cardíacas e, segundo entendimento de muitos médicos, deve ser repetido com frequência de 7 dias, 15 dias, 6-8 semanas e 6 meses após o exame inicial.

Como é o tratamento?

O objetivo do tratamento é reduzir o processo inflamatório o mais rápido possível, de modo a prevenir a ocorrência de aneurismas coronarianos e evitar a progressão da doença. Para  tanto, o tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível, de preferência antes do sétimo dia de doença.

A terapia inicial consiste no uso de imunoglobulina endovenosa, em infusão de 12 horas, associada ao ácido acetilsalicílico (AAS). Esse tratamento visa à redução de sequelas coronárias. O médico também pode associar corticosteroides à terapia inicial, pois estudos demonstraram que há menor incidência de anormalidades coronarianas nos pacientes que fizeram uso desse medicamento, principalmente pacientes de alto risco.

Pacientes que não respondem à terapia inicial podem receber uma segunda dose de imunoglobulina, associada ou não aos corticosteroides (por via oral ou endovenosa) ou, ainda, uma droga biológica modificadora da doença (bDMARD), o infliximabe.

Pacientes resistentes a esse segundo esquema podem receber drogas sintéticas modificadoras da doença (sDMARD), como ciclofosfamida, metotrexato ou ciclosporina.

Outro objetivo do tratamento é evitar a ocorrência de trombose. Para os pacientes sem ocorrências coronarianas, costuma-se prescrever apenas AAS por até 4-6 semanas após o início da doença ou até o nível das plaquetas estar normalizada; para os pacientes com alterações, o medicamento deve ser mantido por 2 anos; já para os pacientes com alterações persistentes, o uso é por tempo indefinido.

Os resultados, a longo prazo, dependerão do número de artérias coronárias afetadas pela doença. Por isso, além do reumatologista, o acompanhamento periódico também com um cardiologista é muito importante. 



Referências

AMERICAN COLLEGE OF RHEUMATOLOGY. Kawasaki Disease (KD). Disponível em: http://www.rheumatology.org/I-Am-A/Patient-Caregiver/Diseases-Conditions/Kawasaki-Disease-KD. Acesso: 01/12/19.

ARTHRITIS FOUNDATION. Kawasaki. Disponível: http://espanol.arthritis.org/espanol/disease-center/kawasaki/. Acesso: 01/12/19.

RUSSO, Gleice C.S; TERRERI, Maria Teresa. Doença de Kawasaki. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 297-301.