Síndrome de Sjögren

No início do século XX, o físico sueco Henrik Sjögren descreveu pela primeira vez, em um grupo de mulheres, uma artrite crônica que era acompanhada por olhos e boca seca. Hoje, os reumatologistas sabem que se trata de uma síndrome, chamada de Sjögren.




O que é? Quem pode ser afetado(a)?

A Síndrome de Sjögren (pronuncia-se “xegren”) é uma doença autoimune, ou seja, na qual o sistema imune acaba atacando as células do próprio corpo, nesse caso, das glândulas salivares e lacrimais, o que ocasiona sintomas de boca seca e olho seco. Outras partes do corpo podem ser afetadas, com secura da pele, nariz, garganta, vias respiratórias e vagina.

A Síndrome pode afetar qualquer pessoa, de todas as idades, mas é mais comum em mulheres (cerca de 9 vezes mais que nos homens) entre 50 e 60 anos.

Pessoas com Artrite reumatoide e Lúpus eritematoso sistêmico também apresentam maior predisposição para desenvolver a Síndrome.

Tipos de Síndrome de Sjögren

  • A Síndrome é chamada de primária quando ocorre de forma isolada, isto é, sem a presença de outra doença autoimune.
  • É secundária quando está associada a outra(s) doença(s) autoimune(s), como Artrite ReumatoideLúpus, Polimiosite, Doença mista do tecido conjuntivo, além de Tireoidite de Hashimoto, Cirrose biliar primária e Hepatite autoimune.

O que causa a doença?

A causa ainda é desconhecida, mas acredita-se que fatores genéticos (sobretudo os genes HLA-B8, HLA-Dw3 e HLA-DR3) e, possivelmente, infecções virais (como aquelas causadas pelos vírus Epstein-Barr, coxsackievírus, citomegalovírus, retrovírus HTLV 1, herpes vírus 6 ou 8) estejam relacionados ao aparecimento da doença. O acometimento de mulheres em período de menopausa sugere também o envolvimento de fatores hormonais.

Quais os sintomas?

Uma das principais manifestações da doença é a secura ocular (xeroftalmia), que causa ausência de lágrimas, ardência, irritação, lacrimejamento, vermelhidão, queimação e sensação de "areia" nos olhos. Pacientes com olhos secos são mais vulneráveis ​​a infecções ao redor dos olhos e podem ter alguns danos na córnea, incluindo diminuição da visão.

Outra manifestação muito comum é secura oral (xerostomia), fazendo com que a boca pareça não ter saliva, causando dificuldade para engolir alimentos, principalmente os secos. Pode haver aumento na ocorrência de cáries, gengivite (inflamação das gengivas), infecções causadas por fungos na boca (candidíase), mal hálito, além de dor e sensação de queimação na mucosa oral e diminuição do paladar.

A secura no trato respiratório ocasiona sintomas de rinite, secura no nariz, na faringe e na traqueia, com tosse seca persistente. Na secura genital ocorre vaginite seca, com irritação, prurido e dor persistente ou recorrente que surge pouco antes, durante ou após a relação sexual (dispareunia). 

As securas na pele ocorrem em 16% dos casos, com sintomas relacionados, principalmente, à inflamação de vasos sanguíneos (vasculites). Os sintomas musculares mais frequentes são dor e rigidez nas articulações, não deformante. 

A doença pode também acometer pulmões, fígado, pâncreas e rins, além do sistema nervoso central, o que causa dores de cabeça, convulsões, distúrbios nos movimentos, distúrbios psiquiátricos, de humor e/ou neurológicos.

Alguns pacientes apresentam complicações cardiovasculares, como arritmias no coração.

Existem outras causas de secura na boca e nos olhos?

Sim. Em mulheres, esses sintomas podem ser confundidos com aqueles da menopausa pois, nessa fase, a mulher também pode apresentar "secura" em algumas partes do corpo. 

Também medicamentos (como aqueles para tratamento da pressão alta, depressão, resfriados e alergias), radioterapia de cabeça e pescoço, algumas infecções (como as causadas pelos vírus da hepatite C e do HIV) podem causar os mesmos sintomas.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico não é tarefa fácil, tendo em vista que alguns dos sintomas da Síndrome de Sjögren, muitas vezes, são parecidos com os de outras doenças, como Lúpus, Artrite Reumatoide, Fibromialgia, Esclerose Múltipla, Conjuntivite alérgica ou Alzheimer. Além disso, como já foi dito, menopausa ou certos medicamentos podem causar "securas".

Por essa razão, o diagnóstico dependerá de uma combinação que levará em conta os sintomas apresentados, exames físicos, exames de sangue e, às vezes, estudos especiais. Para tanto, o/a paciente costuma ser encaminhado a diversos especialistas (reumatologista, dentista, oftalmologista). Os testes empregados são:

Teste de Schirmer, que serve para medir a produção de lágrimas em um determinado período de tempo. Coloca-se uma fita de papel estéril na parte inferior do olho, por 5 minutos, e mede-se a extensão do papel que ficou úmida: valores menores que 5mm são sugestivos de olho seco;

Sialografia, Cintilografia, Ultrassom de glândulas salivares e Sialometria servem para avaliação da produção de saliva. A Sialografia é um exame radiológico invasivo, realizado por meio da introdução de um cateter nos ductos das glândulas salivares maiores, seguida da injeção de contraste; a Cintilografia possibilita a avaliação da função das glândulas salivares; a Ultrassonografia é um exame de imagem e a Sialometria indica a quantidade de fluxo salivar produzida: fluxo menor que 0,1mL/minuto é sugestivo de Sjögren.

Biópsia das glândulas salivares menores, exame minimamente invasivo e muito importante no diagnóstico. O aspecto mais característico do envolvimento das glândulas salivares labiais é uma aglomeração de linfócitos; um foco contém ao menos 50 linfócitos. Define-se como critério de classificação da doença a presença de pelo menos 1 foco por 4mm2 de área glandular;

– Exames de sangue podem determinar se há anemias, leucopenia, linfopenia, neutropenia, presença de anticorpos, como os antinucleares (FAN), anti-SSA e anti-SSB e, ainda, de fator reumatoide (FR). Os anticorpos FAN aparecem em cerca de 80% dos pacientes; anti-SSA e anti-SSB ocorrem entre 30-60% e 60-90%, respectivamente; FR é detectado em metade dos pacientes.

Outros exames, incluindo aqueles específicos para avaliar marcadores de doenças endócrinas e gastrointestinais podem ser solicitados.

Como é o tratamento?

Ainda não existe cura definitiva para a Síndrome, mas diagnóstico e tratamento precoces podem afetar positivamente no curso da doença. Os objetivos do tratamento são aliviar os sintomas da "secura", prevenir complicações relacionadas a esse sintoma (mal hálito, cáries, perda de dentes, candidíase) e tratar as manifestações sistêmicas (que incluem problemas no trato respiratório, nos rins, na pele). 

O tipo de intervenção vai depender dos sintomas apresentados (que podem ser bastante variados) e da sua gravidade. No caso de pacientes que apresentam secura nos olhos, por exemplo, podem ser utilizados colírios lubrificantes sem conservantes, medicamentos tópicos, como ciclosporina ou tacrolimo, e, ainda, corticosteroides tópicos.

No caso de boca seca, podem ser utilizados substitutos de saliva, chicletes ou balas sem açúcar para estimular a produção de saliva; lubrificantes labiais; escovação com uso de pastas com xylitol, que tem propriedade antibacteriana; uso de enxaguantes com clorexidina e sem álcool. Deve-se regularmente fazer limpeza dentária profissional e aplicação de flúor.

DMARDs sintéticas e/ou biológicas, embora não sejam efetivos no tratamento das securas, poderão ser utilizados quando houver manifestações sistêmicas, no entanto, as evidências sobre sua eficácia ainda são limitadas. Estudos demonstraram que o biológico rituximabe pode ser efetivo em manifestações como vasculite, doença pulmonar intersticial, inflamação articular e envolvimento do sistema nervoso periférico (principalmente associado à vasculite e crioglobulinemia); apresentou também efeito discreto na secreção salivar, mas nenhum efeito para fadiga ou secreção ocular.

Manifestações articulares podem ser tratadas com hidroxicloroquina isoladamente ou associada a baixas doses de corticosteroides ou de AINEs por curto período de tempo. Em casos refratários, metotrexato pode ser recomendado.

E como o(a) paciente pode ajudar no tratamento?

Muitos sintomas podem ser aliviados com medidas simples, como: 
- usar óculos de sol com proteção lateral, para ajudar a evitar a evaporação das lágrimas; 
- manter as pálpebras e áreas ao redor dos olhos limpas para maximizar a secreção de óleo das glândulas das pálpebras; 
- evitar lentes de contato; 
- aumentar a umidade da casa para ajudar com os sintomas de olho seco e tosse seca. Isso pode ser feito com umidificadores, plantas ou bacias com água; 
- evitar sabonetes com cheiro forte se tiver pele seca ou coceira; 
- usar cremes hidratantes na pele; 
- usar filtro solar; 
- cuidar muito bem da higiene bucal.

É bom também fazer exercícios físicos, principalmente para manter a mobilidade daqueles pacientes que apresentem problemas de articulação. Mas é preciso encontrar um equilíbrio entre a quantidade de repouso e de exercícios para driblar a fadiga causada pela doença. Para tanto, seria bom procurar um fisioterapeuta e/ou personal trainer, que podem ajudar a encontrar o melhor tipo e nível de exercícios.

Para minimizar os problemas dentários, é importante reduzir alimentos e bebidas açucaradas. O álcool e as bebidas com cafeína devem ser evitados, pois pioram a secura.

No caso de secura vaginal, os lubrificantes são de grande utilidade. É importante conversar com o(a) ginecologista para que ele(a) recomende um tratamento adequado.

Por fim, é importante saber que o(a)s portadores da Síndrome de Sjögren tem um risco aumentado de apresentar, no futuro, malignidades do sistema linfático (linfoma). Mesmo que esse risco seja maior do que o da população geral, o linfoma acontece numa parte muito pequena dos portadores, ou seja, a grande maioria não vai desenvolver este problema. Mas é importante saber disso para que o(a) paciente e seu(sua) médico(a) fiquem sempre atentos a certos sinais, como aumento rápido dos gânglios (linfonodos) no pescoço, axila ou virilha, ou aumento persistente das glândulas salivares. Uma boa notícia é que o tratamento deste tipo de linfoma geralmente é bem efetivo.

É importantíssimo seguir uma conduta terapêutica apropriada, pois a qualidade de vida pode em muito ser melhorada. E evitar condições que possam piorar as securas, como tabagismo, ar condicionado, leitura e uso de computadores por tempo prolongado e o uso de certos medicamentos.


Referências

AMERICAN COLLEGE OF RHEUMATOLOGY. Sjogren's Syndrome. Disponível em:http://www.rheumatology.org/I-Am-A/Patient-Caregiver/Diseases-Conditions/Sjogrens-Syndrome. Acesso: 25/11/19.

REUMATOCARE. Síndrome de Sjögren. Disponível em: http://www.reumatocare.com.br/sjogren.html. Acesso: 22/07/21.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA. Síndrome de Sjögren. Disponível em: http://www.reumatologia.org.br/doencas-reumaticas/sindrome-de-sjogren/. Acesso: 25/11/19.

SOCIEDADE DE REUMATOLOGIA DO RIO DE JANEIRO. Síndrome de Sjögren. Disponível em: http://reumatorj.com.br/publica/reumatismo/sjogren/. Acesso: 26/11/19.

TREVISANI, Virgínia F. M.; VALIM, Valéria; PASOTO, Sandra G. Síndrome de Sjögren. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 261-268.