Artrite e espondilite tuberculosa

A tuberculose, causada pelo bacilo de Koch (Mycobacterium tuberculosis), é uma doença infectocontagiosa que afeta cerca de 10 milhões de pessoas por ano e que está entre as 10 maiores causas de mortalidade. No Brasil são registradas por ano cerca de 4,5 mil mortes pela doença.

O que é?

A incidência crescente de casos de tuberculose (TB) está relacionada, além do envelhecimento da população e da resistência às drogas utilizadas no tratamento dessa doença, ao aumento de pacientes em uso de medicamentos imunossupressores, como os DMARDs sintéticos e biológicos.

A TB atinge, tipicamente, os pulmões. Um indivíduo recebe uma carga infecciosa de bacilos pela primeira vez e um ou dois desses bacilos conseguem vencer os mecanismos de defesa do organismo, atingindo os pulmões e provocando uma reação inflamatória. Mas, se por alguma razão, essas defesas diminuem, diminui também a imunidade e o bacilo pode invadir a corrente sanguínea e partir para diversos órgãos e sistemas, o que é chamado de tuberculose extrapulmonar

Uma das manifestações da TB extrapulmonar é a tuberculose osteoarticularque afeta ossos e articulações. É um processo localizado e destrutivo, via de regra monostótica (atinge um osso ou parte dele). Após a disseminação dos bacilos no osso, ocorre uma resposta inflamatória, geralmente monoarticular (atinge uma articulação). A articulação pode ser invadida pelo bacilo por uma infecção direta na membrana sinovial (que reveste a articulação) ou por disseminação indireta a partir de um foco em um osso vizinho. 

Quais os sintomas?

O principal sintoma da tuberculose é a tosse seca, mas há outros sinais e sintomas que podem estar presentes, como febre vespertina, suor noturno, emagrecimento e cansaço/fadiga.

Os sintomas da tuberculose osteoarticular variam desde o local atingido, estágio da doença e presença de complicações. Espera-se, a princípio, o acometimento de um único local, mas em pacientes imunodeprimidos ou portadores de HIV, vários focos podem ocorrer.

A espondilite tuberculosa (também chamada de TB vertebral ou Doença de Pott) é a manifestação mais comum na TB osteoarticular, com cerca de 50% dos casos. Trata-se da infecção das vértebras, principalmente as lombares e torácicas inferiores, que se manifesta com dor local, que aumenta de intensidade ao longo das semanas, às vezes em associação com espasmo e rigidez muscular. O quadro de destruição óssea pode se arrastar por meses e, se não tratada, leva ao comprometimento de todas as outras vértebras e articulações da coluna. Complicações neurológicas como a paraparesia (fraqueza ou paralisia dos membros inferiores) ocorrem em 4 a 30% dos pacientes. Sintomas adicionais são também a fadiga, a febre baixa, o suor noturno e a perda de peso.

artrite tuberculosa, responsável por cerca de 30% dos casos de TB osteoarticular, é crônica, insidiosa (ou seja, sem sintomas graves) e, na maioria dos casos, é monoarticular (90%), embora em pacientes imunodeprimidos, idosos e desnutridos, possa ser poliarticular. O acometimento do quadril é o mais comum, de diagnóstico mais difícil e mais debilitante. Também pode afetar as articulações de joelhos, mãos, costelas e ombros. Sinais como eritema (vermelhidão), calor e outros sintomas de infecção aguda, assim como febre e perda de peso podem ocorrer.

A doença de Poncet é uma artrite reativa, que geralmente ocorre na fase aguda da TB, em um processo poliarticular e simétrico (ambos os lados), envolvendo grandes e pequenas articulações. Pode estar associado à febre e à presença de eritema e nódulos.

A osteomielite, responsável por 2 a 3 % dos casos de TB osteoarticular, pode acometer qualquer osso, mas é mais frequente no fêmur e na tíbia. O início costuma ser insidioso mas, em casos raros, o aparecimento pode ser agudo. Geralmente ocorre em um único local.

Por fim, podem ocorrer também outras manifestações, como tenossinovite, bursite e o acometimento de tecido mole ou muscular, o que é muito raro.


Como é feito o diagnóstico?

A tuberculose osteoarticular pode causar significativas morbidade e mortalidade e, por isso, é necessário um alto nível de "desconfiança" por parte dos médicos para um diagnóstico e tratamento precoces. Inicialmente, devem ser solicitados exames bacteriológicos: exame IGRA-Quantiferon, teste tuberculínico (PPD) e  baciloscopia (teste do escarro), complementados por radiografia de tórax e/ou da área afetada, ultrassom (US), tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) para avaliar a presença de tuberculose. Exames laboratoriais de velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C-reativa (PCR) estão frequentemente elevados, mas são pouco específicos.

O diagnóstico definitivo ocorre com a identificação da micobactéria, material que pode ser obtido por meio de punção por agulha ou biópsia, guiadas por US, TC ou RM em locais de difícil acesso. O isolamento da micobactéria pode ser feita por pesquisa direta (BAAR) e cultura. É muito importante a realização de testes de sensibilidade aos medicamentos anti-tuberculostáticos, o que servirá para guiar o tratamento.

Qual o tratamento?

Um diagnóstico rápido e adequado da TB osteoarticular pode impedir a perda de função e de mobilidade, além de reduzir as chances de mortalidade. A terapia para TB pulmonar também se aplica às formas extrapulmonares.

O tratamento dura, no mínimo, seis meses, é gratuito e disponibilizado apenas no Sistema Único de Saúde (SUS). São utilizados quatro fármacos nos dois meses iniciais, diariamente: rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol; e dois fármacos nos quatro meses restantes, também diariamente: rifampicina e isoniazida. Um regime de nove a doze meses pode ser necessário, dependendo da resistência aos medicamentos ou no caso de procedimento ortopédico mais extenso, como na Espondilite tuberculosa.

Apesar da melhora dos sintomas já nas primeiras semanas após início do tratamento, a cura só é garantida ao final do esquema terapêutico. A interrupção do tratamento antes da conclusão pode levar o(a) paciente à resistência aos antibióticos ou mesmo a complicações que podem levar a óbito. Além disso, pode aumentar o risco de transmissão da doença para outras pessoas.


Referências

CUNHA, Daniel L. Artrite Tuberculosa: relato de caso. Estudos, v. 33, n. 11/12, p. 873-882, nov/dez 2006. Disponível em: http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/estudos/article/view/28/26. Acesso: 29/12/19.

GUIMARÃES, Maria Fernanda B. R; KAKEHASI, Adriana Maria. Artrite e espondilite tuberculosa. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 401-405.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Tuberculose: os desafios do tratamento contínuo. Disponível em: http://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/45759-tuberculose-os-desafios-do-tratamento-continuo. Acesso: 30/12/19.