Lúpus eritematoso sistêmico

Segundo o Ministério da Saúde, dentre as mais de 80 doenças autoimunes conhecidas atualmente, o Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma das mais graves.

O que é?

Doença inflamatória, crônica e autoimune, ou seja, as defesas do organismo (sistema imunológico), ao invés de atacar os "invasores" do organismo, atacam o próprio corpo.

A doença é polimórfica, ou seja, há envolvimento de vários órgãos e tecidos, nas mais diversas combinações e em graus variados de gravidade.

Quem pode ser afetado(a)?

O LES é mais prevalente em mulheres na idade reprodutiva, principalmente entre 20 e 30 anos, mas pode acometer também crianças e adultos e com mais frequência em afrodescendentes (três a quatro vezes mais que em mulheres brancas). 

Embora bastante raro, pode afetar filhos recém-nascidos de mulheres que têm a doença (Lúpus neonatal, que será descrito mais adiante).

O que causa a doença?

A causa da doença é desconhecida (com exceção do Lúpus medicamentoso, que será descrito a seguir), mas sabe-se que vários fatores podem desencadeá-lo, como fatores genéticos, hormonais, ambientais e imunológicos.

Do ponto de vista genético, há uma prevalência da doença entre gêmeos idênticos (ou univitelinos) na proporção de 30 vezes mais, aproximadamente, do que na população em geral. A associação entre LES e a deficiência de algumas proteínas é bem determinada, assim como já se sabe que vários genes podem aumentar o risco para o desenvolvimento da doença.

O papel dos hormônios baseia-se na hipótese da imunomodulação (controle das reações imunológicas de um organismo por um agente imunomodulador que as ajusta ao nível desejado). Os estrógenos,  por exemplo, que são hormônios com ação relacionada ao controle da ovulação e ao desenvolvimento de características femininas, têm papel estimulador de várias células do sistema imune.

Entre os fatores ambientais, ressalte-se o papel da luz ultravioleta (UV). A exposição à luz do sol de forma inadequada e em horários inapropriados pode iniciar ou agravar uma inflamação preexistente. Também o tabagismo é o segundo fator ambiental mais associado ao desenvolvimento do LES, além de reduzir os efeitos do medicamento hidroxicloroquina, indicada no tratamento da doença.

No que se refere ao fator imunológico, parece haver uma estreita relação entre infecções por vírus Epstein-Barr, citomegalovírus ou pelo vírus da tuberculose (Micobacterium tuberculosis). Uma infecção pode iniciar a doença ou causar uma recaída em algumas pessoas, o que pode gerar um quadro de LES que vai de leve a grave. 

Tipos da doença

São reconhecidos dois tipos principais de Lúpus: 
  • Sistêmico: tipo mais comum, no qual um ou mais órgãos são afetados, como rins, coração, pulmões e articulações. Algumas pessoas que têm o Lúpus cutâneo podem, eventualmente, evoluir para o sistêmico. 
  • Cutâneo: manifesta-se apenas na pele (de rosto, nuca, orelhas, colo, coro cabeludo), causando erupções, queda de pelos e cabelo (alopecia), úlceras, sensibilidade à luz solar ou inflamação dos vasos sanguíneos da pele (vasculite). São descritos três tipos de Lúpus cutâneo:
    • Lúpus eritematoso discoide: as lesões são frequentemente avermelhadas, em relevo e escamosas; geralmente não machucam, mas podem causar cicatrizes ou descoloração permanente da pele. As lesões discoides também são muito sensíveis à luz. Alguns pacientes com esse tipo de Lúpus desenvolverão também a forma sistêmica;
    • Lúpus eritematoso cutâneo subagudo: causa extensas lesões avermelhadas e escamosas em partes do corpo comumente expostas ao sol e à luz artificial, como braços, pescoço e ombros. Cerca de metade das pessoas com esse tipo têm também a forma sistêmica.
    • Lúpus cutâneo agudo: ocorrem lesões naqueles que estão passando por um forte episódio de Lúpus sistêmico. A forma mais comum desse tipo de Lúpus é a erupção cutânea em forma de borboleta, ou seja, distribuída pelas bochechas e pela ponte nasal (como na imagem que abre esse post).
Além desses tipos principais de Lúpus, são descritos outros dois:
  • Lúpus medicamentoso (secundário): certos medicamentos, em especial hidralazina e isoniazida, podem causar essa forma de LES. Embora seja semelhante ao Lúpus sistêmico, os sintomas do Lúpus medicamentoso geralmente desaparecem quando o medicamento é interrompido.
  • Lúpus neonatal: embora raro, o Lúpus neonatal pode afetar filhos de mulheres com LES, em razão da "transferência" de anticorpos da mãe para o feto. Na maioria dos casos, os sintomas desaparecem após cerca de seis meses. Os sintomas são erupção cutânea, problemas no fígado e baixa contagem de células sanguíneas. Muito raramente, um bebê com Lúpus neonatal terá graves problemas cardíacos. Os médicos geralmente identificam mães de alto risco e tratam o bebê antes ou no nascimento para reduzir os sintomas. Ter tido Lúpus neonatal não significará, necessariamente, que o bebê também desenvolverá Lúpus no futuro.

Quais os sintomas?

O Lúpus afeta pacientes de maneiras diferentes: alguns apresentam sintomas leves que progridem lentamente, enquanto outros apresentam sintomas graves e potencialmente fatais, os quais aparecem subitamente.

Sintomas mais comuns:
  • Sintomas gerais:
    • Anorexia; 
    • Perda de peso; 
    • Febre de causa desconhecida: em alguns pacientes (cerca de 5%) pode ser sinal de início da doença; em outros (cerca de 42%), apresenta-se como manifestação do Lúpus ativo, principalmente em crianças e adolescentes;
    • Fadiga que não pára com o descanso.
  • Sintomas articulares
    • Dor e inchaço nas articulações, geralmente de forma simétrica; 
    • Rigidez matinal;
    • Artropatia de Jaccoud, caracterizada por desvio ulnar dos dedos e deformidades do tipo "pescoço de cisne" decorrentes de inflamações nos tendões e ligamentos.

  • Sintomas cutâneos (pele): entre 70 e 90% dos pacientes com LES apresentam manifestações na pele:
    • Eritema malar (ou "Asa de borboleta"); 
    • Lúpus bolhoso e necrose epidérmica tóxica; 
    • Fotossensibilidade (sensibilidade extrema da pele quando exposta à luz);
    • Placas escamosas;
    • Úlceras na boca;
    • Alopecia (queda de cabelo);
    • Vasculite cutânea, que pode se manifestar com lesões nas palmas ou solas dos pés, úlceras e necrose digital.

  • Sintomas cardíacos e pulmonares:
    • Inflamação do revestimento dos pulmões (pleurite), que ocorre em 30-60% dos pacientes; 
    • Hipertensão pulmonar;
    • Dor intensa e dificuldade ao respirar, tossir, rir ou espirrar;
    • Inflamação do "envelope" cardíaco (pericardite);
    • Inflamação do músculo do coração, o miocárdio (miocardite);
    • Taquicardia, insuficiência cardíaca intensa.
  • Sintomas renais: grande parte dos pacientes com LES (cerca de 75%) vão apresentar algum comprometimento renal:
    • Síndrome nefrítica, inflamação dos glomérulos renais (glomerulonefrite), que estão envolvidos no processo de filtragem dos rins. Quando a inflamação é muito grande, as membranas de filtração permitem a passagem de células sanguíneas e proteína.
    • Síndrome nefrótica, na qual há perda de hemácias na urina.
  • Sintomas neurológicos:
    • Perda de memória;
    • Concentração ou confusão mental;
    • Dormência;
    • Convulsões;
    • Delírios, psicose;
    • Ansiedade, alterações de humor;
    • Cefaleia, incluindo enxaqueca e hipertensão intracraniana benigna;
    • Síndrome desmielinizante, doença do sistema nervoso na qual a bainha de mielina dos neurônios é danificada, prejudicando a condução de sinais nos nervos afetados e causando prejuízos na sensação, movimento, cognição e outras funções;
    • Síndrome de Guillain-Barré;
    • Mielopatia, doença que compromete a medula espinhal e provoca perda gradual dos movimentos do corpo;
    • Miastenia gravis;
    • Polineuropatia, distúrbio simultâneo em diversos nervos periféricos que levam a informação desde o cérebro, e medula espinhal, até o resto do corpo, causando sintomas como fraqueza, formigamento e dor persistente;
    • Mononeuropatia (ou mononeurite), que só afeta um único nervo periférico ou craniano;
    • Meningite asséptica ou meningite estéril, condição na qual existe uma inflamação das camadas que revestem o cérebro, as meninges, mas que não é causada por bactérias;
    • Acidente vascular cerebral (AVC).
  • Sintomas hematológicos (sangue):
    • Anemia hemolítica;
    • Baixo nível de linfócitos (linfopenia);
    • Baixa contagem de glóbulos brancos (leucopenia);
    • Baixa contagem de plaquetas (trombocitopenia ou plaquetopenia);
    • Coágulos sanguíneos (trombose). Se a trombose não for controlada, por exemplo, podem ocorrer distúrbios graves ou derrame.


Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico do Lúpus pode ser um grande desafio, pois é uma doença complexa cujos sintomas são múltiplos. Leva-se em conta as manifestações clínicas e alterações laboratoriais e para que um indivíduo seja classificado com LES é necessário que estejam presentes, ao menos, 4 dentre 17 critérios definidos pelo grupo SLICC (Systemic Lupus International Collaboration Clinics, 2012) sendo que deve haver pelo menos 1 critério clínico (de um total de 11) e de um critério imunológico (do total de 6).

Exames laboratoriais de sangue são usados no diagnóstico e no acompanhamento da doença. São exames para avaliar a presença de fator antinuclear (FAN, positivo na grande maioria dos pacientes), investigar a presença de autoanticorpos (anti-dsDNA, anti-Sm, anti-P), avaliar a contagem de glóbulos e de plaquetas no sangue e o funcionamento de órgãos como rins ou fígado.

Como os problemas renais geralmente se desenvolvem com o Lúpus, o exames de urina são necessários (proteinúria, hematúria, leucocitúria) para avaliar o funcionamento do órgão. Se houver suspeita de problemas, o médico poderá solicitar uma biópsia renal, que envolve a remoção e o exame de uma pequena amostra de tecido de um dos rins.

É provável também que o médico solicite radiografia de tórax ou exames cardíacos, como eletrocardiograma (ECG) ou ecocardiograma, para determinar se a doença está afetando o coração, ressonância magnética para avaliar a atividade do sistema nervoso central e infecções, e eletroneuromiografia, para avaliar neuropatia periférica.

Qual o tratamento?

O tratamento do LES requer a definição dos sintomas apresentados, da extensão e da gravidade da doença. O início de qualquer tratamento de Lúpus envolve o uso de antimaláricos, preferencialmente a Hidroxicloroquina, que via de regra é prescrita desde o diagnóstico, independentemente da gravidade da doença. Os benefícios do medicamento devem incluir melhora clínica, níveis mais baixos de atividade da doença, reativações menos frequentes, redução do uso de corticoides e menor frequência de sintomas neurológicos.

Para as manifestações leves e/ou moderadas da doença, está indicado o uso do corticoide Prednisona em associação, se necessário, com outras drogas sintéticas modificadoras da doença (sDMARD), além da Hidroxicloroquina. São eles: Metotrexato, Leflunomida ou Azatioprina. Já para os casos resistentes, outros sDMARD podem ser indicados, como o Micofenolato ou a Ciclofosfamida.

Outras alternativas têm sido avaliadas e incluem os medicamentos biológicos (bDMARDRituximabe e Belimumabe. O primeiro deles é indicado para pacientes com doença grave e resistente ao tratamento convencional e, geralmente, é usado em ciclos com dose total de 1000mg, com intervalos de 2 semanas. Os ciclos são repetidos a cada 6 meses. Quanto ao segundo, estudos apontam que pode ser usado como tratamento adjunto ao tratamento padrão em pacientes com doença ativa. A eficácia do medicamento, entretanto, parece não estar bem definida em pacientes que apresentam nefrite lúpica ativa grave e/ou doença ativa do sistema nervoso central (Neto et al., 2019: 213).

Além disso, para cada órgão afetado haverá um tratamento específico, portanto, cada caso deverá ser avaliado, em seus diversos fatores, não apenas pelo médico reumatologista, mas por uma equipe multidisciplinar de diversas especialidades médicas.

Faz parte também do tratamento adotar uma dieta saudável (com restrição de sal, mas rica em cálcio), atividade física regular (melhora a qualidade de vida, reduz a fadiga, o risco cardiovascular e protege os ossos), evitar a exposição à luz ultravioleta, solar ou das lâmpadas, manter a pressão arterial controlada, assim como os níveis de açúcar e o colesterol.

O prognóstico do LES melhorou muito nos últimos anos: a sobrevida era de apenas 5% nos anos 50 e, atualmente, é de 95%. Portanto, o tratamento tem por objetivo controlar e reduzir a atividade da doença e, consequentemente, os possíveis danos, buscando uma melhor qualidade de vida ao paciente.




Referências

AMERICAN COLLEGE OF RHEUMATOLOGY. Lupus. Disponível em: http://www.rheumatology.org/I-Am-A/Patient-Caregiver/Diseases-Conditions/Lupus. Acesso: 19/10/19.

ARTHRITIS FOUNDATION. Lupus. Disponível em: http://espanol.arthritis.org/espanol/disease-center/lupus/. Acesso: 03/11/19.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Lúpus: causas, sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção. Disponível em: http://saude.gov.br/saude-de-a-z/lupus. Acesso: 19/10/19.

NETO, Eduardo Ferreira Borba et al. Lúpus eritematoso sistêmico. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 204-217.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA. Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Disponível em: http://www.reumatologia.org.br/doencas-reumaticas/lupus-eritematoso-sistemico-les/. Acesso: 05/10/19.

SOCIEDADE PARANAENSE DE REUMATOLOGIA. Lúpus Eritematoso Sistêmico. Disponível em: http://reumatologiapr.com.br/lupus-eritematoso-sistemico/. Acesso: 05/10/19.