Artrite Idiopática Juvenil

As doenças reumáticas não são exclusividade da população adulta. Existe um grande número de reumatismos que também podem afetar crianças. A Artrite Idiopática Juvenil (ou Artrite Reumatoide Juvenil) é um deles. 

O que é? Quem pode ser afetado(a)? 

A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) engloba um grupo de doenças inflamatórias que afetam crianças e jovens até 16 anos de idade, com ligeira predominância pelo sexo feminino (acredita-se, porém, que os picos de maior incidência estão entre 1 e 5 anos e entre 10 e 14 anos). Manifesta-se, principalmente, por artrite persistente, durante 6 ou mais semanas. É a segunda incidência reumática na infância, atrás apenas da Febre Reumática.

Qual a causa?

A causa exata ainda é desconhecida, mas sabe-se que fatores imunológicos, infecciosos (virais e bacterianas), genéticos, emocionais (como estresse) e traumatismos articulares podem desencadear a doença.

Tipos de AIJ 

1. Sistêmica (AIJs): as crianças apresentam-se sistematicamente com artrite, febre alta diária e vespertina (com um ou dois picos diários), com duração de pelo menos 2 semanas, associada à queda do estado geral, com fadiga, anemia, emagrecimento, dor no corpo, dor abdominal. Há também erupção na pele (rash cutâneo de coloração rosa), linfadenopatia generalizada (surgimento das "ínguas"), serosite (inflamação da pleura e do pericárdio), hepatomegalia (aumento anormal do tamanho do fígado), esplenomegalia (aumento do baço). A artrite pode estar ausente nas primeira semanas ou meses da doença. Cerca de 50% das crianças evoluem para a forma poliarticular.

2. Poliarticular (AIJp): afeta 5 ou mais articulações nos primeiros 6 meses da doença; é subdividida em AIJp com fator reumatoide positivo e em AIJp com fator reumatoide negativo: 
  • A AIJp com FR positivo afeta predominantemente meninas (até 13 vezes mais), entre 9 e 11 anos, acometendo articulações de punhos, joelhos, cotovelos, tornozelos e quadris. A evolução é parecida com a da Artrite reumatoide (AR) no adulto. 
  • A AIJp com FR negativo afeta sobretudo meninas (10 vezes mais), de qualquer idade, mas com picos entre 1 e 3 anos e na adolescência. Acomete as pequenas articulações, principalmente de mãos e pés, joelhos, tornozelos e cotovelos, com rigidez matinal ou após períodos de repouso; as articulações da região da mandíbula também são afetadas. O comprometimento dos quadris, ombros e da coluna cervical ocorre mais tarde. É crônica, de longa duração, com tendência a recidiva na vida adulta.

3. Oligoarticular (AIJo): afeta até 4 articulações nos primeiros 6 meses da doença, sendo mais frequente em meninas (três vezes mais) até 6 anos. Geralmente, apresenta artrite assimétrica nos membros inferiores, principalmente em joelhos e tornozelos. Crianças com esse tipo da doença devem fazer avaliações oftalmológicas frequentes (a cada 3 ou 4 meses), pois a úvea (o colorido dos olhos) pode estar inflamada sem que haja qualquer sinal visível. 

4. Artrite relacionada a entesite (ARE): afeta, principalmente, meninos (cerca de 7 vezes mais) maiores de 6 anos. Caracteriza-se pela presença de inflamação das ênteses (local de intersecção de ligamentos e tendões nos ossos, especialmente na inserção do tendão de Aquiles), além de artrite de membros inferiores, podendo progredir para as articulações da região do quadril e da coluna vertebral. Pode ocorrer, ainda, uveíte aguda (inflamação da úvea).

5. Artrite psoriásica juvenil (APsJ): acomete mais meninos (60%), com picos entre os 2 e 4 ano e entre os 9 e 11 anos. O comprometimento articular é simétrico nas pequenas articulações e assimétrico nas grandes articulações. Psoríase e dactilite também são comuns, além de anorexia, anemia e redução da velocidade de crescimento.

6. Artrite indiferenciada: inclui crianças que não preenchem os critérios das demais categorias.

Como é feito o diagnóstico? 

O diagnóstico é clínico e baseia-se na presença de artrite em uma ou mais articulações com duração igual ou maior a 6 semanas. Além disso, o médico reumatologista poderá solicitar também exames laboratoriais, para descartar outras doenças, e exames radiográficos (raio-x, ultrassom e ressonância magnética) para avaliar alterações articulares. 

Qual o tratamento? 

O tratamento envolve controle da inflamação e da dor, prevenção de deformidades e melhora da qualidade de vida. O início deve ser precoce, pois a demora pode ocasionar complicações sérias, como comprometimento da cartilagem articular que vai acarretar deformidades e limitações físicas irreversíveis. Em muitos pacientes, a doença é controlada até o final da adolescência, no entanto, alguns podem apresentar a forma crônica, com períodos de melhora e piora que persistem até a vida adulta. 

Os esquemas de tratamento vão variar de acordo com os tipos de AIJ, a resposta à terapia e o tempo para obter tal resposta, além a presença de manifestações sistêmicas, do número de articulações atingidas e da presença de sacroiliíte. Via de regra, os medicamentos de primeira linha no tratamento incluem anti-inflamatórios não-hormonais (AINEs) e corticosteroides, com o objetivo de reduzir e controlar a inflamação. Os AINES mais usados para crianças são naproxeno e ibuprofeno. Os corticosteroides (ou corticoides) são necessários na AIJ sistêmica, mas são utilizados pelo menor tempo possível. 

Injeções de corticoides podem ser também necessárias, preferencialmente triancinolona hexacetonida em articulações médias e grandes e metilprednisolona nas pequenas articulações. São indicadas, principalmente, na oligoartrite (quando não responde aos AINEs ou apresenta contraturas) ou na poliartrite (quando algumas articulações não respondem aos chamados medicamentos sintéticos modificadores da doença (sDMARD).

Os sDMARD são a segunda linha de tratamento e atuam no sistema imunológico. O metotrexato é a principal droga utilizada na AIJ, seguido pela sulfassalazina (opção na artrite relacionada à entesite) e pela leflunomida, embora essa última parece não ter sido completamente estudada em crianças.

Os medicamentos biológicos modificadores da doença (bDMARD) são a terceira linha de tratamento e são empregados na falha dos sDMARD, geralmente após 3 a 6 meses de uso correto das drogas de segunda linha. A escolha do medicamento implica o tipo de AIJ, no rastreamento de tuberculose e hepatites B e C, além do seguimento cuidadoso e periódico, com consultas e exames laboratoriais seriados, com o objetivo de avaliar a inflamação, além de detectar e tratar possíveis efeitos adversos. Os medicamentos liberados para uso em crianças são infliximabe, adalimumabe e etanercepte (que são drogas anti-TNF); tocilizumabe (um anti-IL 6); canaquinumabe (anti-IL 1) e abatacepte (anti-linfócito T).

Podem fazer parte do tratamento, ainda, a adoção de atividades físicas, de fisioterapia, hidroterapia e/ou terapia ocupacional para restaurar movimentos e capacitar as crianças a participar de atividades diárias; em alguns casos, pode ser necessário também um acompanhamento psicológico. A alimentação deve conter cálcio e deve-se ter atenção aos níveis de vitamina D no corpo.

Deve-se também realizar consultas oftalmológicas regulares, com o objetivo de se detectar precocemente casos de uveíte, que pode não apresentar sintomas mas pode levar a perda de visão.




Referências 

OLIVEIRA, Sheila K.F. de; SANTOS, Flávia P.S. Artrite idiopática juvenil. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 332-341.

SCHAINBERG, Cláudia Goldenstein. Reumatismo em Crianças. Disponível em: http://www.hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidades/reumatologia/Paginas/reumatismo-criancas.aspx. Acesso: 19/09/19. 

SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA. Artrite Idiopática Juvenil. Disponível em: http://www.reumatologia.org.br/doencas-reumaticas/artrite-idiopatica-juvenil/. Acesso: 19/09/19.