Artrite hansênica

A Hanseníase, antigamente conhecida por lepra, é uma doença infectocontagiosa crônica, causada por uma bactéria que já está muito acostumada com o ser humano, a Mycobacterium leprae. A terceira manifestação mais comum da doença é a artrite, por isso, é importante reconhecer as manifestações reumáticas relacionadas à Hanseníase. É a Artrite hansênica.

Como se dá o contágio?

A transmissão da bactéria se dá pelas vias respiratórias, por meio do contato próximo e prolongado com um portador de Hanseníase que não esteja em tratamento. Estima-se que 90% da população possua defesa natural (imunidade) contra a M. leprae, mas nos 10% não-resistentes, a doença quase sempre evolui, torna-se transmissível e pode atingir outras pessoas de qualquer sexo ou idade, inclusive crianças e idosos. 

É uma patologia que acompanha a Humanidade deste a Antiguidade, mas que possui cura, com tratamento e acompanhamento disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). É fato, no entanto, que os casos da doença têm aumentado globalmente, notadamente pelo aumento das migrações e das viagens de pessoas de países em desenvolvimento para países desenvolvidos e, ainda, em razão da adoção, para alguns pacientes, de tratamento com medicamentos biológicos do tipo anti-TNF (adalimumabe, infliximabe, etanercepte, golimumabe e certolizumabe). 



Dados do Ministério da Saúde mostram que, após quedas sucessivas desde 2003, quando quase 52 mil brasileiros foram diagnosticados com Hanseníase (um recorde desde o início da década de 90, quando foram computados mais de 28 mil casos), a doença voltou a aumentar a partir de 2017, ocasião em que foi registrada a primeira alta significativa em 13 anos. Um novo aumento veio em 2018, com pouco mais de 28 mil novos casos registrados, o que colocou o Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019) como:
  • o 1º país no mundo em incidência (que é a quantidade de doentes em relação ao número de habitantes), 
  • o 2º país em número de casos, atrás apenas da Índia, 
  • o país que deteve, em 2018, cerca de 92% do total de casos das Américas.

Por essa razão, é muito importante conhecer a doença e seus sintomas.

Os sintomas e as manifestações reumáticas

A evolução da Hanseníase ocorre, em geral, de forma lenta e progressiva. Os principais sinais e sintomas são:
  • manchas esbranquiçadas, acastanhadas ou avermelhadas, com alterações de sensibilidade ao calor e/ou à dor e/ou ao toque; 
  • formigamentos, choques e câimbras nos braços e pernas, que evoluem para dormência: a pessoa pode se queimar ou se machucar sem perceber; 
  • caroços na pele, normalmente sem sintomas; 
  • diminuição ou queda de pelos, especialmente nas sobrancelhas; 
  • pele avermelhada, com diminuição ou ausência de suor no local.

Além desses e de outros sintomas, as manifestações reumáticas são muito comuns durante o curso da doença, principalmente as alterações osteoarticulares de origem inflamatória ou degenerativa.

As manifestações inflamatórias referem-se às reações do sistema imune* à bactéria Mycobacterium leprae e pode se dar de diversas maneiras, sendo que a mais comum tem início repentino, costuma  afetar muitas articulações e atinge, principalmente, punhos, mãos, joelhos e tornozelos. Essas manifestações podem vir acompanhadas por dor intensa e evolui, geralmente, sem deixar sequelas.

Pode haver, ainda, sintomas gerais, como febre, fraqueza, anorexia, fenômeno de Raynaud, inflamação interna do olho (irite), aumento dos gânglios, inchaço anormal do fígado, entre outros. Esses quadros tendem a desaparecer entre 1 a 2 semanas após o início de tratamento adequado, embora possam reaparecer ao longo do processo, mas não costumam deixar sequelas irreversíveis.

Outra manifestação inflamatória tem início intenso, também afeta muitas articulações de modo simétrico e atinge, principalmente, punhos e mãos. Geralmente, surge simultaneamente ou antes de outras manifestações clínicas de Hanseníase. As radiografias das mãos revelam pequenas erosões nos grupos articulares acima mencionados mas, na maioria das vezes, resolve-se após tratamento, sem deixar sequelas.

Dentre as manifestações degenerativas, que não são associadas às reações imunes, estão a artropatia de Charcot e a artrite não reacional. A artropatia de Charcot, também conhecida por artropatia neuropática, é uma doença articular, pouco dolorosa, caracterizada por luxação da articulação, fraturas e deformidades que atingem, sobretudo, os pés.

Já a artrite não reacional afeta muitas articulações, principalmente de mãos, pés e joelhos. A artrite é mais persistente e progressiva e pode causar erosões e deformidades. Na maioria dos casos, a artrite surge meses ou anos após o início dos sintomas na pele. 

Qual o tratamento?

O tratamento da Hanseníase, recomendado pela OMS, inclui a associação de três medicamentos: rifampicina, dapsona e clofazimina. Tais medicamentos são gratuitos, fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e o tratamento pode variar de 6 a 12 meses, a depender da forma hansênica, podendo ser prorrogado ou feita a substituição da medicação em casos especiais. 

O tratamento pode incluir também, para os quadros inflamatórios, anti-inflamatórios do tipo AINE, corticoides em doses baixas, talidomida ou metotrexato para comprometimento articular. Corticoides em doses altas são utilizados em complicações mais graves da doença. Sulfassalazina ou cloroquina também podem ser usados. 

Com a terapia adequada, via de regra, há remissão dos quadros articulares e cutâneos em 1 a 2 semanas, mas após a primeira dose da medicação não há mais risco de transmissão da doença, desde que o tratamento seja continuado. 



Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Estratégia Nacional para Enfrentamento da Hanseníase 2019-2022. Brasília, Ministério da Saúde [Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis], 2019. Disponível em: https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2020/May/22/estr--tegia-nacional-de-hanseniase-2019-2022-web.pdf. Acesso: 09/01/21.

BRASIL. Ministério da Saúde. Guia prático sobre a hanseníase. Brasília, Ministério da Saúde [Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis], 2017. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/novembro/22/Guia-Pratico-de-Hanseniase-WEB.pdf. Acesso: 09/01/21.

OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE). Diretrizes para o diagnóstico, tratamento e prevenção da hanseníase. Genebra: OMS, 2019. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/274127/9789290227076-por.pdf?sequence=47&isAllowed=y. Acesso: 30/01/21. 

VERADINO, Gustavo; PRESOTTO, Carolina, CARNEIRO, Sueli. Comprometimento osteoarticular na Hanseníase. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ, Rio de Janeiro, jan-mar. 2011. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistahupe/article/viewFile/8819/6683. Acesso: 09/01/21.

YOSHIKAWA, Gilberto T. et al. Artrite hansênica. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 406-410.