Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide

Anticorpos antifosfolípides, segundo a American College of Rheumatology, estão presentes em quase 1/4 dos casos de trombose venosa profunda (coágulos sanguíneos) e em 1/3 dos acidentes vasculares cerebrais em pessoas com menos de 50 anos. São também causa importante de abortos recorrentes e complicações na gravidez. Por isso, a adesão ao tratamento é importantíssimo para evitar as consequências da doença.

O que é? 

A Síndrome Anticorpo Antifosfolípide - SAF (ou Síndrome de Hughes) é uma doença crônica, autoimune, em que o organismo produz auto-anticorpos, os chamados anticorpos antifosfolípides, que passam a afetar o processo normal de coagulação do sangue, causando trombose (coagulação anormal) em vasos de todos os tipos e calibres, além de complicações na gravidez, como abortos recorrentes, pressão alta e prematuridade do bebê. 

Quem pode ser afetado?

Afeta mais mulheres que homens (cerca de 5 vezes mais), sobretudo quando associada ao Lúpus Eritematoso Sistêmico, e predomina em adultos jovens e/ou de meia-idade. Pessoas negras parecem ser menos acometidas do que outros grupos étnicos.

O que causa a doença?

A causa da SAF ainda é desconhecida, mas é provável que a "produção" dos anticorpos antifosfolípides esteja relacionada, além da predisposição genética, a alguns outros fatores, como infecções, uso de determinados medicamentos, cirurgias, períodos de imobilização, estresse ou gravidez. 

Tipos da doença

  • Síndrome Antifosfolípide Primária: as manifestações da síndrome ocorrem de forma independente, sem a concomitância de outras doenças autoimunes. Embora menos frequente, pacientes com o tipo Primário podem vir a desenvolver o Lúpus Eritematoso Sistêmico.
  • Síndrome Antifosfolípide Secundária: as manifestações da síndrome ocorrem concomitantemente com outras doenças autoimunes, como o Lúpus Eritematoso Sistêmico.
  • Síndrome Antifosfolípide Catastrófica: forma muito rara e grave da doença, ocorrem múltiplas tromboses difusas em vasos pequenos, em um curto espaço de tempo, podendo evoluir para a disfunção de múltiplos órgãos e tecidos, como pele, sistema nervoso central, pulmões e rins. Uma grave manifestação é a hemorragia alveolar difusa, responsável por alta mortalidade.
  • Síndrome Antifosfolípide Obstétrica: tem como marca a trombose na região da placenta.

Quais os sintomas? 

As manifestações clínicas da doença são diversas e variam de acordo com o local da trombose, que pode ocorrer em qualquer vaso do organismo. Embora a trombose venosa profunda (TVP) e o acidente vascular cerebral (AVC) sejam as manifestações mais comuns, há outros sintomas que são frequentemente observados.

O baixo número de plaquetas no sangue (trombocitopenia), manchas esparsas na pele, com aparência malhada, que aumentam no frio (livedo reticularis) e microtrombose disseminada (trombos de vasos de pequeno calibre por todo o organismo) podem ser as primeiras manifestações da Síndrome.

A formação repetida de pequenos coágulos no coração, por exemplo, pode danificar ou engrossar as válvulas, com risco de liberação de coágulos sanguíneos na corrente sanguínea (embolia arterial). A formação de coágulos nas artérias do coração pode causar ataques cardíacos, o que pode ocorrer, por exemplo, em jovens sem nenhum fator de risco cardíaco. 

Já na SAF obstétrica, a doença pode causar abortos recorrentes e consecutivos, perdas fetais tardias, pré-eclâmpsia (pressão alta e proteínas na urina durante a gravidez) e insuficiência placentária, os quais representam as complicações de maior especificidade para a SAF.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico está baseado em alguns critérios, que incluem achados clínicos e obstétricos, aliados a alguns exames. Dentre os critérios clínicos estão a presença de tromboses; quanto aos obstétricos, estão inclusas, além da perda fetal a partir de dez semanas, os abortos recorrentes (mais de três) e consecutivos e parto prematuro decorrente da pré-eclâmpsia ou de insuficiência plaquetária.

Para fechar o diagnóstico, devem estar relacionados à presença de, pelo menos, um dos anticorpos antifosfolipídeos (aPL), a saber: anticardiolipina (aCL) ou anti-beta 2 glicoproteína 1 (B2GP1), em níveis de moderado a alto, e/ou lúpus anticoagulante (LA).

A critério médico, outros exames podem ser solicitados de acordo com a manifestação clínica que apresentarem.

No que se refere à trombose, é fundamental que seja documentada, seja por exames de imagem (doppler, ressonância magnética, ultrassom ou tomografia), seja por biópsia do local afetado. 

Mulheres gestantes requerem um acompanhamento com avaliações frequentes, acompanhadas por ultrassom e cardiotocografia seriada para acompanhar a evolução do feto.

Como é o tratamento?

A SAF não tem cura, portanto, o principal objetivo do tratamento é evitar eventos trombóticos ou corrigir os fatores de risco para tromboses. O tratamento inclui, então, terapia com anticoagulantes ininterruptamente. 

Na fase aguda da trombose, via de regra, inicia-se a terapia com heparina associada ao anticoagulante oral varfarina. Esse tratamento deve ser monitorado por meio de exames periódicos.

Pacientes com múltiplos eventos trombóticos devem ser monitorados e tratados quanto a fatores de risco adicionais, como obesidade, pressão alta ou dislipidemia (aumento de lipídios/gorduras no sangue). Esses pacientes podem ser beneficiados com o uso de hidroxicloroquina.

Pacientes gestantes com a forma trombótica da doença devem ser mantidas com ácido acetilsalicílico (AAS) associada à heparina. Antes do parto, a terapia anticoagulante deverá ser suspensa com 24h de antecedência e retomada cerca de 6h a 8h pós-parto. Pacientes com apenas a forma obstétrica, mas fora da gestação, também devem ser mantidas com AAS e heparina.

Do mesmo modo, pacientes que forem se submeter a procedimentos cirúrgicos devem suspender a varfarina com 7 dias de antecedência, mantendo a heparina até 24h antes do procedimento, sendo retomada cerca de 6h a 8h horas pós-procedimento.

Pacientes que apresentam apenas os anticorpos antifosfolípides positivos, mas sem eventos trombóticos, devem ter o risco para trombose avaliado a fim de determinar o uso de AAS.

Quanto ao "combate" aos fatores de risco, deve-se evitar fumo, obesidade, vida sedentária, níveis elevados de colesterol e triglicerídeos e uso de hormônios (principalmente estrógenos).

A adesão ao tratamento é importantíssimo para evitar as consequências da doença, que podem ser graves, irreversíveis e até mesmo fatais.



Referências

AMERICAN COLLEGE OF RHEUMATOLOGY. Antiphospholipid Syndrome, mar. 2019. Disponível em: http://www.rheumatology.org/I-Am-A/Patient-Caregiver/Diseases-Conditions/Antiphospholipid-Syndrome. Acesso: 19/11/19.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA. Síndrome Anti-fosfolípide. Disponível em: http://www.reumatologia.org.br/doencas-reumaticas/sindrome-anti-fosfolipide/. Acesso: 17/11/19.

STAUB, Henrique Luiz et al. Síndrome antifosfolípide. In: Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Barueri (SP), Manole, 2019, p. 269-273.